Devido à popularização do crossfit no Brasil, têm surgido muitos praticantes com queixas de dores articulares relacionadas aos movimentos realizados na prática desta modalidade. Então, surge a questão: a culpa é do crossfit?
O crossfit é um esporte. De maneira diferente de uma sala de musculação, num box de crossfit você estará sempre comparando a sua marca com a de outras pessoas, ou seja, ele tem características de competição em todos os dias de treino. O que se fala, e parece muito bonito quando visto de fora, é que essa competição é contra você mesmo. Mas isso não é bem uma verdade.
Nós, seres humanos, somos competitivos por natureza. Começamos a competir desde que éramos espermatozóides e tínhamos que atingir o óvulo antes de todos os outros. Dessa forma, no crossfit, você sempre vai querer levantar mais peso que seu amigo, fazer mais repetições que a menina do lado ou acabar a série mais rápido do que o cara que chegou ontem na academia.
O crossfit compreende uma série de exercícios aeróbicos, ginásticos e de levantamento de peso, montados de uma forma a serem variados dia a dia, fazendo assim que não se “enjoe” do treino, e que sejam realizados sempre com intensidade, visando ganho de força, resistência cardio respiratória e muscular, flexibilidade, velocidade, potência, coordenação motora, agilidade, precisão e equilíbrio, sempre organizados em um formato de aula, que inclui 3 fases: aquecimento, técnica e o wod (workout of the day).
Depois desta vasta introdução (acho que a metade das pessoas já parou de ler), vamos à minha análise.
Sou médico há 15 anos, formado pela Universidade de São Paulo e especializado em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Faço CrossFit há 4 anos (e gosto muito). Sempre fiz esportes em toda a minha vida, e sempre estive envolvido em competições esportivas. Joguei basquete, handebol, tênis, lutei jiu-jitsu e hoje estou praticando o CrossFit. Por este motivo, tenho muitos pacientes que vem ao meu consultório devido ao meu conhecimento da modalidade e fui a fundo pesquisar sobre as experiências de outros profissionais da área com atletas e as afecções mais comuns nesta prática e como evitar, prevenir e diagnosticar as causas das mesmas.
Causas de Lesão no crossfit
O fato é que todos nós estamos expostos a nos lesionar fisicamente desde o momento que saímos da cama. Essas lesões podem ocorrer devido a um acidente traumático ou devido à repetição de movimentos, que vão causando lesões progressivas e degenerativas. E existe uma série de fatores que podem predispor a estas lesões, desde uma instabilidade articular, passando por uma história prévia de trauma no passado ou fatores constitucionais, como a frouxidão ligamentar ou encurtamentos musculo-tendíneos, capsulares, ligamentares. Entre estes fatores, estão a postura, atrofias e/ou desequilíbrios musculares.
Se excluirmos estes fatores, que fazem parte da constituição física de cada pessoa e devem ser investigados (o que raramente é feito e normalmente a pessoa só procura após a lesão), o principal fator causal de lesão no crossfit são os movimentos realizados de maneira incorreta. Durante a fase mais competitiva do treino, o “wod” – workout of the day – algumas vezes os praticantes não se importam com a técnica do movimento (que na maioria deles é bem complexa e demanda tempo para o seu domínio) para acabar mais rápido do que o próximo, ou levantar mais peso que o cara do lado, ou fazer mais repetições que a menina da frente. É, principalmente, nesse momento que acontecem as lesões pontuais, e porque as pessoas estão com um nível de endorfina elevado e sentem menos dor, além disso existe um “discurso” de se fazer tudo no seu limite, só que muitas vezes neste momento de exaustão o limite já passou faz tempo e o exercício acaba sendo mal executado. E sim, sempre vai ter sempre alguém gritando pra você fazer aquela última repetição com o se fosse a última coisa que voce vai fazer na Terra.
Mas a conta chega inevitavelmente. Seja por por excesso de repetições de treinamentos sucessivos, seja por um movimento mal feito, que vai contra a biomecânica das nossas articulações, seja por fadiga muscular levando a contraturas, estiramentos e rupturas.
Tendo exposto os fatores acima, e sem levar em consideração os trabalhos da literatura, que são cheios de “vieses”, a minha análise, baseada na minha experiência como praticante e ortopedista, é que o crossfit NÃO machuca. Quem se machuca são as pessoas que passam dos seus limites de maneira irresponsável com o seu corpo. E existe, SIM, a culpa de quem está lá para orientar. Acho que todas as pessoas que estão, de alguma forma, coordenando um exercício complexo em alta intensidade de um aluno PRECISAM estar atentos à técnica do exercício, coibir excessos e orientá-lo a parar o treino e procurar um médico em caso de dor. Além disso, é de extrema importância que o aluno, ao notar que existe algum tipo de limitação física, seja por dor ou falta de amplitude do movimento, seja avaliado por um profissional gabaritado a fazer esta análise, pra que, se possível, corrija aquela disfunção ou diagnosticar algum problema.
Dicas para evitar lesões no crossfit
Sendo assim, formulei uma sequência de dicas para o praticante de crossfit:
Não pense que o crossfit é o substituto da musculação. A musculação com aparelhos é um treinamento que envolve movimentos muito menos complexos, envolvendo poucas articulações, e utiliza máquinas que guiam o seu movimento. E não tem cronometro nem placar. O crossfit é um esporte, com movimentos que envolvem varias articulações, que não necessariamente estão aptas de maneira igual. Se você faz musculação e quer fazer crossfit, faça uma transição, e se possível, não deixe de fazer a musculação.
Nunca suba o peso se você não tem confiança ou técnica suficiente para realizar o movimento com o peso anterior. Na verdade, você deve DIMINUIR a carga.
Não faça aquela última repetição de qualquer jeito, apenas para acabar o Wod. NUNCA ! Nem que gritem na sua orelha até você ficar surdo. Respeite o seu corpo.
Se algum movimento te gera dor, não faça. Você, provavelmente, não vive disso ou para isso. Converse com o seu professor para detectar se pode ser um erro de técnica ou alguma limitação do seu organismo e eventualmente adaptar o treino.
Preste muita atenção na sua postura, na contração do seu abdome, glúteos, escapulas, lombar e todas as articulações envolvidas naquele movimento. Concentração na hora do Wod é essencial.
Nunca faça exercícios que envolvam pesos, ou grande amplitude de movimento, sem fazer exercícios prévios de aquecimento do corpo (aeróbicos), mobilidade (alongamentos) e uma execução prévia do mesmo, sem cargas, para resgatar a memória da execução. Ou seja, se você chegou atrasado na aula e quer matar o aquecimento pra treinar logo, saiba que você esta se arriscando. Se possível, aqueça bem e faça a aula subsequente.
Ao iniciar o crossfit, faça uma avaliação com um especialista. Ele pode detectar seus problemas antes destes se manifestarem, evitando, assim, que você possa vir a ter uma lesão que pode te levar a ter dor para o resto da vida
Respeite o seu professor. Se ele está falando que está errado, está errado. Ele não está lá pra pegar no seu pé. Ele quer o melhor pra você. Pense que, se você se machucar na aula dele, ele também ficará extremamente chateado.
Atividade física é saúde, ela não deve gerar doença. Se ela atrapalha alguma coisa da sua vida, repense no volume, seu tempo de descanso e principalmente se a culpa não é do movimento mal feito.
Deixe o ego do lado de fora do box. Levantar menos peso ou não conseguir fazer o exercício que outras pessoas, inclusive aquelas menos aptas fisicamente que você não é vergonha nenhuma. Talvez você não seja tão apto quanto você imagina.